MÃE TERRA

"TUDO O QUE EXISTE E VIVE PRECISA SER CUIDADO PARA CONTINUAR A EXISTIR E A VIVER:UMA PLANTA,UM ANIMAL,UMA CRIANÇA,UM IDOSO,O PLANETA TERRA"

Leonardo Boff

domingo, 9 de outubro de 2011

Lei Ambiente Livre do Cigarro X Lei Seca

por: Dr. João Paulo B. Lotufo


Hoje, todos sabem que é proibido dirigir após o consumo de bebidas alcoólicas; sabem também que é proibido fumar em ambientes fechados. Em conversa com meu amigo e músico Marco Neves, asmático e sofredor do tabagismo passivo, ele comentou que não presenciou nenhum conflito nos bares em que toca, em relação à lei do fumo. Sabemos, então, que a lei “pegou”. Hoje, as reclamações são devido às calçadas sujas, barulho externo na porta de bares e restaurantes, mas não em relação à lei “Ambiente Livre do Tabaco”. A lei“pegou”, em parte, porque somos 83% de não fumantes e 17 % de ainda fumantes, além de existirem mais ex-fumantes no país do que fumantes ainda ativos. A preocupação mundial, refletida nos debates da lei “Ambiente Livre do Tabaco” é, sem dúvida, real. O tabagismo ativo é a primeira causa de morte evitável no mundo e o tabagismo passivo a terceira.

Mas o que é morte evitável?
Recentemente, no grupo de tratamento antitabágico do Hospital Universitário da USP, uma senhora ainda fumante deu um depoimento bastante emocionada de que sua irmã de 52 anos falecera de infarto e acidente vascular cerebral no último fim de semana. Esta morte aos 52 anos, por exemplo, pode ser considerada uma morte evitável, pois uma das causas desencadeantes foi o tabagismo. Esta senhora era forte dependente da nicotina, não conseguindo passar uma noite inteira sem acordar para fumar. Portanto, se ela tivesse tido acesso a algum tratamento antitabágico, se ela tivesse, do ponto de vista médico, recebido tratamento à doença do tabaco, sua morte poderia ter sido evitada. De certo modo, se a lei“Ambiante Livre do Tabaco” e os debates sobre cigarro que ela ocasionou tivessem vindo antes, esta senhora poderia ser uma ex-fumante, ao invés de mais uma vítima da indústria do cigarro.

Mas e a segunda causa de óbito evitável, qual é?
A segunda causa de morte evitável no mundo é o álcool. Se você acha difícil de acreditar eu o convido a visitar qualquer pronto socorro de São Paulo no próximo fim de semana. Na minha família, por exemplo, nós tivemos uma morte evitável causada pelo álcool. Minha irmã, aos 17 anos, faleceu em um acidente de carro quando um motorista alcoolizado entrou pela contramão na Rua Estados Unidos, em São Paulo. Ela ficou 15 dias em coma no pronto socorro do Hospital das Clínicas e faleceu. Nestes quinze dias muito traumáticos, meus pais se recusaram a assinar uma autorização para que se desligasse os aparelhos que mantinham minha irmã viva, o que não impediu que ela falecesse no final destes quinze dias. Hoje, minha irmã seria uma doadora de órgãos. Esta, portanto, seria uma morte evitável caso o motorista do carro que atingiu o veículo em que minha irmã estava não estivesse embriagado. Provavelmente, se a lei seca já estivesse em voga (e funcionando) este motorista embriagado não teria entrado em seu carro e esfacelado uma família.

Mas e a lei seca, “pegou”?
Não muito. Hoje já não se fala mais nela e são poucas as abordagens com bafômetros, algo bem diferente dos primeiros finais de semana depois da homologação da lei. Os acidentes com pessoas alcoolizadas, como sabemos, continuam ocorrendo como antes. O vereador em Curitiba, que ocupou grande espaço na mídia, foi um destes casos. O Porshe desgovernado a 150 km por hora ou a advogada que subiu na calçada e atropelou um pedestre, ambos em São Paulo, são outros casos que muito provavelmente envolveram álcool. A “Lei Seca”, portanto, diferentemente da lei antitabágica, não “pegou”. A fiscalização é mínima e a conscientização quase inexistente.

Eu, como pediatra chefe do pronto socorro de pediatria e pneumologista responsável pelo projeto anti-drogas lícitas do HU/USP, me dedico a trabalhar com um grupo de artistas em um programa de prevenção de drogas lícitas focado em crianças e adolescentes: o projeto “Dr Barto e os Doutores da Saúde”. Mas por que um pediatra estaria tão interessado nestes problemas de “adultos”? A resposta é muito simples: os jovens de hoje estão fumando e bebendo desde muito cedo, chegando ao absurdo de já ter usado estas drogas lícitas ainda com 7 anos de idade. Eu mesmo, há mais de quarenta anos, quando não se falava muito nos malefícios destas drogas, acendi e traguei diversas vezes o cachimbo de meu pai. E minha atração não era só pelo tabaco. Ainda hoje me lembro dos cavalinhos brancos “de brinquedo” que vinham dependurados nas garrafas de “Whisky White Horse” que meu pai ganhava de presente. Meu pai, entretanto, sempre nos alertou para os perigos da bebida, pois teve um irmão alcoólatra. Já com seus cachimbos, ele não teve esta preocupação, pois desconhecia os problemas do tabagismo ativo e passivo.

Como pediatra, o que eu gostaria de salientar é que o controle destas duas “doenças” deve começar em casa. Pais fumantes aumentam em muito a chance dos filhos serem fumantes. Sabemos que todo jovem vai dizer que fuma por que quer e que cessará este uso assim que desejar. Entretanto, sabemos que a chance deles se tornarem dependentes pelo resto da vida depois destas primeiras tragadas é de 33%.

Falar para um filho não fumar, até mesmo o fumante faz, mas falar para um filho não beber, é algo bastante irreal em um país como o Brasil, onde a cerveja é uma das “paixões nacionais”. Mas ensinar um filho a beber, ou a lidar com a bebida, deve fazer parte da educação das crianças. Se 30% das crianças que freqüentam o pronto socorro de pediatria do HU USP já viram seu pai alcoolizado dentro de casa, como um médico ou um professor vai conseguir educar as crianças sobre o álcool e seu consumo?

O projeto “Dr Barto e os Doutores da Saúde” trabalhou estas questões com crianças entre 10 e 13 anos e, junto com elas, pensou como seria possível evitar acidentes relacionados ao álcool. As crianças acharam que a bebida não deveria ser proibida, mas que as pessoas deveriam se organizar para a compra e distribuição de bebidas em festas e dentro de casa. Elas acham que as próprias pessoas deveriam estar conscientes dos problemas que as bebidas podem causar e, assim, deveriam comprar “uma lata e meia de cerveja por pessoa”, além de controlar para que ninguém tomasse além de sua dose. A ideia é bastante simples, sem dúvida, afinal, são crianças de 10 a 13 anos. Mas não se engane: o recado para nós, adultos, é bastante válido. Realmente precisamos comprar 10 latinhas por pessoa para termos uma festa? Ou estimular a “alegria” passageira daqueles que bebem exageradamente?

Será que para tomarmos consciência dos problemas das drogas lícitas temos de perder, por culpa do cigarro ou do álcool, algum ente querido?

Precisamos, como sociedade, abrir os olhos para estes problemas, lembrando sempre que o exemplo começa em casa.


Dr. João Paulo B.Lotufo

Pediatra pneumologista responsável pelo projeto anti-drogas lícitas do HU USP e Projeto Dr Barto e os Doutores da Saúde. Consultórios em São Paulo e na Granja Viana (Km 26,5) Tel.: 30247290 ou 9934 4365
www.tabagismo.hu.usp.br e www.drbarto.com.br
Fonte:Jornal D'aqui

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